sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

SOMENTE NOS MEUS SONHOS (Cap. 2)



Lucinda voltou ao cemitério no domingo trazendo nas mãos um lindo buquê. Encontrou um homem ajeitando as coroas e as flores do dia anterior. Quando ele a viu, fez uma expressão de surpresa, principalmente quando Lucinda depositou suas próprias flores em um lugar de destaque.

— Conheço você? É da família?

Ela não se deu ao trabalho de responder. Fechou os olhos, fez uma pequena oração para Álvaro e também para que o homem inoportuno fosse embora. Não deu certo. Ao abrir os olhos outra vez ele ainda estava ali, encarando-a com as mãos na cintura.

— Você quem é?

Lucinda fechou a cara e devolveu a pergunta:

— E você? Sempre vem aqui?
— Sou empregado da família Malta e encarregado para zelar pela sepultura do Doutor Álvaro. Meu nome é João.
— Prazer, João – ela gostaria de ficar mais tempo, mas com o homem por ali isto seria impraticável. — Eu já vou indo. Só quis prestar minha homenagem a este senhor.
— E nome você não tem?

Ela deu meia volta e foi embora sem olhar para trás. Não iria se prestar a satisfazer a curiosidade de um mero subalterno.

*

Naquele mesmo dia Dona Francisca se deu conta que Lucinda estava esquisita. Deixara mais da metade da comida no prato e recusara a sobremesa, um delicioso doce de abóbora. Uma das irmãs berrou:

— A Lu está apaixonada!

Lucinda não respondeu, limitando-se a remexer a comida que deixara no prato quase intocada. Como explicar que amava um desconhecido que somente conhecera morto?

— É o que dá frequentar velórios! – retrucou Dona Francisca. — Eu sabia que um dia você iria aparecer maluca!
— Não estou maluca e muito menos apaixonada. Só estou cansada. — Lucinda se levantou da mesa, bastante irritada. — Deixem-me em paz!

Ante os olhares espantados da família, Lucinda saiu rapidamente da mesa e se trancou no quarto. Usou o travesseiro para abafar o choro. Odiava Marília, ela não cuidara bem de Álvaro, permitindo que ele morresse tão jovem. Por que não conhecera Álvaro antes? Por que o destino tinha que ser tão cruel? E agora? Quando irei encontrar Álvaro novamente?

Lucinda não saiu mais do quarto naquele domingo. Quando o sono veio perto da madrugada, ela teve um sonho muito estranho.

*
— Lucinda...

Ela não despertou imediatamente. Revirou-se na cama e cobriu a cabeça com a coberta.

— Lucinda...

A moça rolou na cama e abriu os olhos. A luz do luar entrava pelas frestas da veneziana deixando o quarto na penumbra. Alguém chamara o nome dela? Ora, devia ter sido um sonho.

— Me ajude...

Um sussurro no ar fez o coração dela acelerar. Alguém a chamava, a voz ressoava pelo espaço e Lucinda não sabia dizer quem era. Curiosa, ela sentou na cama.

Havia um homem encostado junto à porta.

Lucinda segurou um grito e se encolheu toda, segurando o travesseiro ao encontro do peito. Não dava para ver direito quem era, a pouca luminosidade não permitia visualizar o rosto do estranho.

— Como você entrou aqui?

A voz de Lucinda saiu em um murmúrio. Ele não era um bandido. Pelas suas vestes era possível ver que era uma pessoa de posses.

— Preciso da sua ajuda.

Já acostumada com a escuridão, Lucinda começou a perceber alguns traços no rosto angustiado daquele homem. Os olhos tristes mostravam tanto sofrimento que partiu o coração da jovem.

— Álvaro! – Lucinda gritou baixinho, de puro susto, ainda sobre a cama. — É você mesmo?

Mas ele não respondeu. Continuou a fitá-la com os olhos tão desesperados que ela se obrigou a ficar em pé.

— Diga-me o que aconteceu – ela pediu à meia voz a alguns passos de distância dele. — Como posso ajudar você? Por favor, me diga!

Álvaro levou a mão até a garganta como se estivesse sofrendo de grande dor. Lágrimas escorreram pela face de Lucinda. Ela deu um passo à frente com a mão estendida para tocá-lo no exato momento em que uma luz acendeu no corredor e a voz de Dona Francisca se fez ouvir:

— Lucinda, você está sonhando? Acorde, menina!

O espectro de Álvaro desapareceu em um piscar de olhos ao mesmo tempo em que Lucinda se jogava na cama. A mãe abriu a porta segundos depois e encontrou a filha deitada sob as cobertas, aparentemente dormindo.

— Lucinda?

A moça permaneceu em silêncio, de olhos fechados. A senhora não insistiu e fechou a porta outra vez. Lucinda esperou tudo silenciar até abrir perceber que não havia mais perigo.

— Álvaro? Pode voltar agora – murmurou ela, ansiosa.

O pedido foi em vão.

— Por favor, volte. Diga-me como posso ajudar você.


Para infelicidade de Lucinda, Álvaro não retornou. Depois de chorar por alguns segundos, Lucinda lembrou que o fato de ele a ter procurado significava que poderia haver um vínculo entre ambos. Um elo que nem mesmo a morte fora capaz de destruir.

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