sábado, 10 de janeiro de 2015

UM CADÁVER NO MEU JARDIM (Cap. 10)

A família toda estava reunida na sala de jantar. Marília fazia questão de ter todos juntos às refeições sempre que possível. Como naquela noite. Amanda trouxe a sobremesa e colocou à disposição de todos. Foi então que André começou a se levantar, dizendo:

− Bem, se vocês me dão licença, eu vou jogar videogame.
− Legal. Eu vou junto – anunciou Cris.

A voz trovejante de Carlos se fez ouvir.

− Vocês dois sentem de volta. Agora.

Os gêmeos se entreolharam discretamente e tornaram a se acomodar em seus lugares.

− Bem, como vocês sabem, a Tereza sumiu.

Silêncio.

− E hoje o irmão da Terê, o Bráulio, esteve aqui muito preocupado com a situação.
− Eu me vi obrigada a registrar uma ocorrência na delegacia – emendou Marília engolindo um pedaço de pudim.

Carlos prosseguiu:

− Cris e André, o que aconteceu exatamente naquela tarde?

André deu um chute no pé do irmão por debaixo da mesa. Era um sinal para que ele mantivesse a calma e a mentira.

− O celular dela tocou – respondeu Cris convicto.
− Onde ela estava?
− Na sala – disse André.
− Na cozinha – disse Cris.

Amanda, Carlos e Marília se entreolharam.

− Onde ela estava, afinal?

− Pai, o que isto importa? – perguntou André, servindo-se de pudim. Estava ainda louco de fome. – O fato é que eu e o Cris estávamos super envolvidos com o jogo do videogame. O celular dela tocou, Terê ficou ansiosa, disse que precisava sair e saiu mesmo.

Cris percebeu que Amanda olhava para André ironicamente. Mau sinal.

− Foi isto o que aconteceu?

A voz de Carlos estava terrível. Cris chutou André por debaixo da mesa.

− Cris, por que você está me chutando? – indagou Marília furiosa.
− Eu?
− O negócio é o seguinte – esbravejou Carlos. – Tem um corpo enterrado no jardim e eu quero saber como ele foi parar lá.
− O quê? Um corpo? – André pousou a sobremesa sobre a toalha. – No nosso jardim?
− Sim. Provavelmente é da Tereza. E foram vocês as últimas pessoas que a viram viva.
− Acho que há um equívoco aí, pai – falou Cris com vontade de vomitar.

Amanda então resolveu se meter.

− Explique, por favor, por que naquela noite você estava tentando arrancar um pé humano da boca do Poncho e depois o enterrou de volta no jardim. Hein?

Todos os olhos se voltaram para Amanda que continuou comendo seu pudim como se sua declaração fosse algo normal.

− Ei, espere um instante! – Carlos ficou em pé e se curvou sobre a mesa em direção à filha. – Repita o que você disse!

− Em primeiro lugar, quero dizer que não tenho nada a ver com esta putaria – retrucou a garota servindo-se de mais pudim. – Mas eu não sou cega. Eu vi nitidamente o Poncho com o pé de alguém na boca e o meu mano Cris, em desespero, tentando fazer o bicho soltar. Assisti toda esta cena ridícula da janela do meu quarto enquanto vocês assistiam aquela comédia sem graça na sala. Depois que o Poncho soltou, o Cris enterrou o pé de novo na cova.

Marília pôs as mãos na cabeça, incrédula.

− E eu posso saber por que você não nos avisou que tinha um corpo enterrado no jardim?
− E você acha que eu iria me envolver com um crime destes?

Sem saída e vendo que o irmão estava à beira de sofrer um colapso nervoso, André resolveu finalmente revelar a verdade.

− Vocês querem realmente saber o que aconteceu naquele dia? Eu conto.

Cris encarou André como se não acreditasse que ele fosse abrir o bico.

− Estávamos jogando videogame e a Tereza, na cozinha. De repente nos desentendemos durante o jogo e começamos a discutir. Era uma discussão boba, não tinha nada de sério. Quando me dei conta, eu e Cris estávamos trocando socos e empurrões. Mas era só brincadeira, pai. Dei um passo em falso e derrubei o vaso de porcelana. Acho que foi o barulho do vaso quebrando que chamou a atenção da Tereza. A criatura apareceu do nada, berrando para que a gente parasse de brigar. Então sobrou um empurrão pra cima dela. E ela voou.

Marília e Carlos se entreolharam sem entender direito.

− Voou para onde?
− Para o outro lado da sala – esclareceu Cris com a voz por um fio. – Não sabemos como e nem de onde partiu. De repente a coitada estava jogada no chão, sem se mexer. Deve ter dado uma cabeçada na quina da mesa.
− Pai, pensamos que ela estava brincando com a gente. Mas ela não se mexia. Foi quando descobrimos que Tereza estava morta. Bem morta. Cris pensou em atirá-la no rio, mas me pareceu mais fácil enterrá-la no nosso jardim.

Amanda perguntou:

− E o que vocês queimaram na churrasqueira? Não era trabalho nenhum de faculdade que eu sei...
− A bolsa e o celular dela. Sabe como é, não queríamos deixar pistas.  Mas o Poncho estragou tudo. Ele nos viu enterrando Tereza e… bem, o resto vocês já sabem – finalizou André tomando um copo inteiro de refrigerante de uma vez só.
− Estou chocada – murmurou Marília. – Não posso acreditar que meus dois filhos gêmeos tenham feito isto. Não era mais fácil chamar a polícia?
− E se não conseguíssemos provar nossa inocência, mãe? – André tentou se defender.
− Qualquer perícia poderia inocentar vocês! – esbravejou Carlos sentando outra vez. A coisa que ele mais queria naquele momento era tomar um porre e acordar somente dali a dez anos. – Vocês terão que responder por ocultação de cadáver se a polícia descobrir.
− Ah, mas não se preocupem – disse Amanda muito séria. – No Brasil ninguém vai preso. E como a Tereza era uma simples empregada, nada vai acontecer com vocês dois. Ricos, bem nascidos, bonitos... A mídia vai adorar.
− E agora, Carlos? O que vamos fazer?
− Quer saber? Eu vou dormir!

Carlos se levantou e subiu as escadas pisando duro. Apesar de tudo, Cris se sentia mais aliviado. Foi então que André perguntou:

− Por que vocês desconfiaram de nós, afinal?
− O seu Rodolfo esteve aqui hoje – respondeu Marília começando a sentir uma dor de cabeça daquelas. – Ele foi remexer na terra e encontrou o pé da Tereza mal enterrado. Fomos chamados e descobrimos tudo. Seu pai deu uma boa grana para o que homem cale a boca.

Marília esfregou a testa e continuou:

− Realmente foi um choque encontrar o corpo da pobre Tereza enrolado naquele cobertor cor-de-rosa.

− Cobertor cor-de-rosa? – berrou Amanda, surtada. – Vocês enrolaram o corpo da defunta com o meu cobertor de estimação?

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