sábado, 22 de abril de 2017

O HOMEM DO JARDIM (Capítulo 12)






— Não vi você no enterro – disse ela entrando no quarto e fechando a porta.

Francesca respirou fundo. Sentiu medo. Magda não parecia nem um pouco enlutada. Sua voz era firme.

— Fiquei um pouco mais para trás – explicou a jovem, ciente de que a mulher já tinha visto suas malas no canto do quarto.
— Você pretendia partir? Sem falar comigo?
— Não quis incomodar a senhora com este assunto – mentiu ela. — Iria entrar em contato mais tarde.
— Você não pode partir.

Francesca chegou a piscar. Não entendeu direito o que Magda queria dizer com aquilo.

— Como?

Magda se aproximou mais um pouco.

— Você pensa que sairá desta casa depois de ter descoberto o corpo do meu pai?
— O corpo… era mesmo de Gregório? – a voz de Francesca saiu estrangulada. — Quem contou para a senhora?

A outra riu. Sua risada foi simplesmente diabólica.

— Em poucos dias você desvendou um mistério de 40 anos. Quando as coisas estavam literalmente mortas e enterradas, você chegou aqui com seu jeitinho de sonsa e descobriu tudo.
Francesca empalideceu.
— Dona Magda, não sei o que descobri. Não tive intenção nenhuma de bagunçar tudo. Gregório apareceu nos meus sonhos sem que eu pudesse impedir.
— Ah, você podia impedir, sim. Era só manter sua linda boquinha fechada. E olhe o que você fez! Foi abrir a boca para minha mãe!
— Só fiz o que me pareceu certo naquele momento! – Francesca tentou se defender. — Dona Laura só falava no marido.
— Ah, o santo marido! – Magda deu outra risada, desta vez com sarcasmo. — O lindo marido de Dona Laura. Foi bom ela ter morrido, sabe? Assim não descobriu o sem vergonha que ele era!
— Meu Deus, Dona Magda! – Francesca recuou dois passos quando Magda avançou mais um pouco. — Mal cheguei aqui. Não sei nada da vida do seu pai. Mesmo Dona Laura me falou pouca coisa sobre ele. Na verdade, eu quero ir embora deste lugar o quanto antes e esquecer tudo.
— Você não vai a lugar nenhum – a voz de Magda saiu assustadoramente baixa. — Pensa que irá embora levando consigo um segredo deste tamanho?
— Jamais contarei que os ossos de Gregório foram encontrados ao lado do poço – a voz de Francesca tremeu. — Não me interessa esta história.
— Sei muito bem o que você vai fazer – Magda encarou Francesca com seus olhos de louca. — Vai chegar na sua cidade e contar sua aventurazinha. E logo meu nome será levado à mídia e isto me destruirá. Ora, mocinha! Eu sou poderosa! Não é uma ninguém como você que irá me destruir!
— Pelo amor de Deus, Dona Magda! Eu jamais faria isto! Por favor, eu juro que nunca contarei a ninguém sobre os fatos que presenciei nesta mansão – Francesca consultou o relógio. — Agora preciso ir. Vou perder meu ônibus.

Francesca quase gritou quando viu um punhal na mão esquerda de Magda. A lâmina brilhou sob a luz da lâmpada. A visão da jovem ficou turva por alguns segundos.

— Você não irá a lugar nenhum. Aliás, vou enterrar você no mesmo lugar que enterrei meu pai. E ninguém nunca dará falta de uma chinelona como você.

Branca de susto, Francesca perguntou, trêmula:

— Enterrou seu pai? O que é isto?
— Aquele monstro! – os lábios de Magda tremeram por alguns instantes. — Ele abusou de mim por anos e ninguém nunca fez nada! Ela – Magda se referiu claramente à mãe — nunca fez nada para me salvar das garras dele. Como você acha que deveria ter sido o seu fim?

Francesca, estonteada ante tantas informações bombásticas, apoiou-se na cômoda. Em um primeiro momento achou que Magda estivesse mentindo. Mas a raiva da mulher era quase palpável. Ela tremia segurando o punhal com toda a sua força.

— Sinto muito, Dona Magda. Jamais poderia adivinhar que seu pai...
— Ele me pegou enquanto eu brincava com minhas bonecas no jardim – Magda relembrou, baixando um pouco a mão que estava com o punhal. — Eu estava distraída, era um belo dia de sol. De repente aquele homem se agigantou a minha frente e, como todas as outras vezes, arrancou minhas roupas.

A jovem escutava o relato, tensa. Senão fosse toda a emoção contida nas palavras e na fisionomia de Magda, ela poderia até não acreditar nas coisas horríveis que saiam da boca da mulher.

— Eu já estava cansada de ser abusada e esconder meus machucados. Naquele dia, em um momento de distração dele, peguei uma pá e atingi a cabeça do desgraçado. Não sei quantas vezes, eu não enxergava nada mais a minha frente. Quando me dei conta, pensa que me arrependi? Nunca. Tratei de abrir um buraco e enterrar o maldito lá dentro. Fiz tudo sozinha. Faria de novo, se fosse preciso.
— Eu jamais poderia... Dona Magda, sinto tanto pelo seu sofrimento.
— Não sente nada! – estrebuchou ela. — Você esteve ao lado da minha mãe, ela que sabia sobre as maldades que aquele homem cometia contra mim. Você sonhou com ele! Qual a conexão que você e o maldito tinham a ponto de ele aparecer nos seus sonhos?
— Como eu posso saber? – perguntou Francesca, desesperada. — Não pude controlar. Ele apareceu nos meus sonhos naturalmente!
— Você merece morrer! – Magda estrebuchou. — Devem ter sido íntimos em outras vidas. Por isto ele a procurou!

Uma batida na porta fez com que Magda se calasse. Em seguida, a voz gentil de Sofia se fez ouvir:

— Francesca, está tudo bem?
— Está tudo bem, Sofia – Magda respondeu com a voz em seu tom normal. — Estou conversando com Francesca.

Silêncio do outro lado. Quando se voltou novamente para Francesca, Magda murmurou, avançando sobre ela.

— Não ouse gritar.

Francesca desviou do golpe no último momento, tropeçando nas malas e caindo sobre elas. Quando percebeu que havia errado o alvo, Magda ficou mais furiosa ainda.

— Vou matar você e enterrar no mesmo lugar que ele.

A jovem se levantou rapidamente, quase sem pensar. Porém, as pernas não lhe ajudavam e ela caiu outra vez. Antes que Magda a alcançasse, Francesca conseguiu se levantar. Pôs uma perna frente à outra para manter o equilíbrio precário quando Magda avançou segurando o punhal.
Francesca, rápida, deu uma rasteira em Magda, que caiu de joelhos no chão. O punhal saltou longe, próximo à porta. Foi neste momento que Sofia resolveu entrar no quarto para ver o que estava acontecendo.

— Fran! O que é isto?
— Chame a polícia! – implorou Francesca, segundos antes de ser derrubada por Magda.

Sofia segurou o punhal e saiu correndo do quarto. Enquanto seus passos em fuga eram ouvidos do quarto, Magda montou sobre Francesca e apertou-lhe o pescoço. Além da falta de ar, a dor era grande. Pontos negros surgiram frente aos seus olhos e ela sabia que não iria demorar muito até perder os sentidos. Magda sentiu os dedos de Francesca no meio dos seus olhos, deu um grito pavoroso e soltou momentaneamente o pescoço da outra. Francesca aproveitou o momento para lhe desferir um potente murro no nariz.

Magda tombou para o lado e arregalou os olhos quando viu o sangue nas suas mãos. Francesca ficou em pé, lutando para sugar o ar. Podia ainda sentir os dedos de Magda no pescoço. Do chão, mas ainda pronta para continuar lutando, Magda berrou:

— Você vai pagar por este sangue aqui!

Francesca mal teve tempo de se recuperar. No momento seguinte, Magda já estava atracada com ela, em uma luta corporal terrível. Novamente, Magda tentou segurar Francesca pelo pescoço. Desta vez, a moça foi mais rápida e lhe desferiu um potente joelhaço no estômago. Com um grito, Magda se dobrou em duas. Francesca ficou no mesmo lugar, recuperando o fôlego e sentindo dores pelo corpo. Não sentia forças nas pernas para sair correndo do quarto e pedir ajuda aos colegas.

— Vou matar você.

A ameaça veio em um sussurro terrível dos lábios de Magda. O sangue lhe escorria pelo rosto e na sua mão agora havia uma tesoura, possivelmente pega de cima da cômoda. Os olhos de Francesca se arregalaram. O objeto era grande e pontiagudo. Um único golpe seria o bastante para abatê-la.

Antes que Magda fizesse qualquer movimento, Francesca reparou no vaso de cerâmica a poucos passos de si. Certa vez Dona Laura lhe dissera que Gregório havia lhe dado de presente de aniversário de casamento. Tirando forças de onde não tinha, Francesca segurou o vaso de bom tamanho e jogou sobre Magda. Sua única intenção era atrapalhar seus movimentos para que ela própria conseguisse tempo suficiente para sair do quarto. Contudo, a força empregada por Francesca surpreendeu-a. O vaso atingiu em cheio o peito de Magda, fazendo a tesoura voar longe. Surpresa e desequilibrada, Magda foi jogada para trás. Francesca deu um grito quando viu a mulher atravessar a janela aberta e caindo no vazio. O grito de Magda foi agudo e forte e depois de uma pancada surda, o silêncio.

Francesca ficou parada no meio do quarto, aturdida e zonza. Dois segundos depois Sofia retornou acompanhada de dois empregados.

— Fran, onde está Dona Magda?

— No jardim. Eu a matei.

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